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Cautela argentina em acordo com UE divide governo brasileiro

Luiza Bandeira e Marcia Carmo

de Bruxelas e Buenos Aires para a BBC Brasil

11/06/2015 06h50

Após mais de 15 anos de negociação, marcadas por discordâncias entre os países do bloco e dentro do próprio governo brasileiro, o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia pode finalmente avançar este ano.

A presidente Dilma Rousseff chegou à reunião entre Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e União Europeia na quarta-feira, em Bruxelas, determinada a marcar uma data para a troca de ofertas do acordo.

"O Brasil e o Mercosul estão prontos", "O Brasil e o Mercosul pretendem fazer sua proposta", repetiu a presidente diversas vezes durante o dia.

Para que o acordo seja fechado, é preciso que os países digam quais áreas podem ser incluídas.

Para a União Europeia, a agricultura sempre foi um tema sensível, que o bloco tentava proteger. Para os países do Mercoul, o problema era a entrada de produtos industrializados europeus.

O país sul-americano que mais resistia ao processo era a Argentina, onde a presidente, Cristina Kirchner, tem como prioridade proteger a indústria nacional.

"O valor agregado dos produtos europeus é maior que o nosso e sem saber o que eles pretendem exportar em termos industriais para nossos mercados, fica difícil", disse uma fonte do governo argentino - acrescentando que não havia pressa em acelerar o acordo.

Mas o governo brasileiro e uruguaio fizeram pressão para que o acordo saísse, chegando a mencionar a possibilidade de uma negociação com "velocidades diferentes" - ou seja, negociaram sem a Argentina, que poderia entrar depois.

Posição argentina

Na chegada a Bruxelas, de manhã, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, chegou a dizer que "seria ideal" a Argentina aceitar o acordo, "mas se não quiser aceitar ou vem ou vai ficar".

Na cúpula da Celac, no entanto, o chanceler da Argentina, Héctor Timerman, negou que os países pudessem negociar separadamente e disse que a proposta do Mercosul está pronta.

Mas ele acrescentou que "é a favor do acordo sempre que seja beneficial para ambas as partes e que não sacrifique nem um posto de trabalho na Argentina", de acordo com a imprensa do país.

E por que só agora o Brasil decidiu colocar pressão para finalizar esse acordo?

Para um ex-ministro do governo brasileiro - que não quis ter seu nome divulgado - o momento atual é "mais propício", já que a indústria brasileira "não tem a mesma fortaleza" que tinha quando as negociações começaram.

Fontes também citam a estagnação no intercâmbio agrícola entre a União Europeia e o Mercosul.

Além disso, segundo analistas, com a retração econômica, o Brasil precisa expandir seus negócios, e o acordo com a UE pode ser a oportunidade perfeita.

Discordâncias

Mas o momento em que o Brasil decidiu agir, no entanto, causou discordâncias dentro do governo brasileiro.

As eleições presidenciais na Argentina ocorrem em outubro e a grande bandeira da presidente Cristina Kirchner é a defesa da indústria nacional.

Membros do governo brasileiro - mais ligados à esquerda - defendem que o acordo seja feito após as eleições. Outros, porém, esperam que as negociações ocorram o mais rápido possível.

Alguns negociadores lembraram que, em 2010, Kirchner defendeu a retomada das negociações com a UE. Naquele momento o Brasil era mais "cauteloso, porque se recuperava da crise internacional de 2008".

Nos bastidores das negociações, alguns defenderam que "se a Argentina precisa de mais tempo, isso seria possível".

Declarações de ministros do governo brasileiro dadas em Bruxelas indicaram visões divergentes.

Mesmo sem defender o adiamento da apresentação de ofertas, o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia disse que "o acordo vai tomar o seu tempo". Esse tempo, segundo ele, "pode se combinar inclusive com o da eleição argentina". Mas ele destacou que, se o tema entrasse na campanha, poderia ser também para beneficiar o governo atual.

Já a ministra Kátia Abreu chegou à Bruxelas dizendo que o governo queria que as trocas de propostas fossem feitas em julho.

Mas, até agora, não há definição sobre quando o acordo pode sair. Os europeus ainda não tem uma proposta fechada - e a data coincide com as férias de verão na Europa.

Após um dia de cúpula, espera-se agora que a troca de propostas seja feita até outubro.

Baseado em um estudo publicado pela FGV, o governo brasileiro estima que, com o acordo, as exportações brasileiras para a Europa cresceriam 20%.